sexta-feira, 30 de março de 2012

Quem será o próximo a ser assassinado?

Seguindo a sua velha tradição, a Guiné-Bissau voltou a resolver contas mais ou menos recentes impondo a razão da força. Militares assassinaram a tiro o coronel Samba Djaló.

Militares contra militares e coisas similares já não constituem novidade na Guiné-Bissau. Também a passividade internacional, sobretudo dessa coisa aberrante que dá pelo nome pomposo de Comunidade de Países de Língua Portuguesa, não é novidade.

Seja qual for a crise, a resposta é sempre a mesma. Não se cura a enfermidade mas apenas se alivia a dor. Isto até que o doente pura e simplesmente... morra.

A tese é a de que os guineenses podem ser alimentados com votos, que as crises se resolvem com votos e que os votos são um milagroso remédio que cura todos os males.

O Ocidente, e neste caso particular da Guiné-Bissau a CPLP e sobretudo Portugal, sabe que África teve, tem e continuará a ter uma História de autoritarismo que, aliás, faz parte da sua própria cultura e que em nada preocupa os fazedores da macro-política que se passeiam nos areópagos dos luxuosos hotéis do mundo.

Apesar disso, teima-se em exportar a democracia “made in Ocidente”, sem ver que a realidade africana é bem diferente. Vai daí, pela força dos votos os ditadores chegam ao Poder, ficam eternamente no poder e em vez de servirem o povo, servem-se dele. Mas como, supostamente, foram eleitos...

Mas será isso democracia? Por que carga de chuva ninguém se lembra que, por exemplo, na Guiné-Bissau as escolhas não são feitas com o cérebro mas com a barriga, ainda por cima vazia, com uma AK-47 encostada às costas?

Foi neste contexto que “Nino” Vieira (tal como, entre muitos outros, José Eduardo dos Santos e Robert Mugabe) chegou a presidente e, tal como o seu homólogo, mentor e amigo angolano, por lá queria continuar com o beneplácito da tal Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

A estratégia de “Nino” Vieira falhou, mas outras aí estão no terreno com inegável pujança e com a histórica cobertura dos donos do poder em Portugal, na CPLP e no mundo.

Se os votos são comprados, isso pouco interessa. Se os guineenses votam em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.

Para quem vive bem, para quem tem pelo menos três refeições por dia, o importante foi e será que os guineenses votem. Não importa o que aconteceu antes, o que está a acontecer agora e que voltará a acontecer um dia destes.

Não será, aliás, difícil antever que o sangue do povo guineense voltará a correr. Mas o que é que isso importa? O que importa é terem votado...

Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral,  "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?

"Carlos Gomes Júnior têm que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que estão a cometer", no país, defendeu nesse dia Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".

Sendo certo que não adianta chorar sobre leite derramado ou que, como acontece na Guiné-Bissau, o pão dos pobres nunca cai com a manteiga virada para baixo (se dois em cada três vivem na pobreza absoluta, não têm nem pão e muito menos manteiga), o importante é haver eleições.

Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal quando Carlos Gomes Júnior disse que “era impossível coabitar com “Nino” Vieira que não passava de um bandido e de um mercenário que traiu o povo"?

Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal ao saber que, tal como se passou nas eleições angolanas, também “Nino” conseguiu em alguns círculos ter mais votos do que eleitores registados?

Pelos vistos à CPLP e a Portugal apenas interessa que se vote, nem que para isso se chamem os mortos, tal como aconteceu e acontecerá em Angola.

Se os votos forem comprados, isso pouco interessa. Se os povos votarem em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.

Aliás, basta ver que a União Europeia, tal como a CPLP,  enche o peito contra os fracos, Bissau, e põe-se de cócoras perante os fortes, Luanda.

Dá-me vontade de rir quando leio que  a UE "insta" a Guiné-Bissau a proceder à investigação judicial dos acontecimentos ocorridos em 1 de Abril de 2010, por exemplo, e a "reforçar os esforços para resolver o problema da impunidade".

Isto porque a UE ainda não viu (já não falo da CPLP que é cega) que não  há maior estado impune do que Angola, ainda não sabe que o regime de Eduardo dos Santos é dono e senhor do país e  do povo, ainda não foi informada que Angola é um dos países mais corruptos do mundo.

Tudo isto que tem como palco a Guiné-Bissau é, afinal, a reedição de um filme já gasto de tanto ser usado. Vão mudando os protagonistas principais mas o argumento é sempre o mesmo. E se o argumento é o mesmo, o fim será idêntico: mais uns tiros e mais uns dirigentes mortos.

Exagero? Talvez. Deus queira que sim. Mas a verdade é que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente, acabou o seu mandato e em 17 anos o país já teve sete presidentes.

Por alguma razão, o ex-chefe do Governo guineense, Francisco Fadul, considerava que, face ao estado em que se encontra a Guiné-Bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, "para que não haja recidivas, não haja retrocessos".

Recordam-se que o coronel Antero João Correia, antigo comandante-geral da Polícia, teria sido detido por ordens do então interino chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Zamora Induta, depois de se recusar a assinar o comunicado do SIE (Serviços de Informação do Estado) que anunciava a neutralização da alegada tentativa de golpe de Estado?

Recordam-se que esta recusa teria obrigado os mentores do plano a confiar a assinatura do documento ao director-geral adjunto dos SIE, coronel Samba Djaló, que foi apontado como uma pessoa "muito próxima" (pudera!) de Zamora Induta e seu representante a nível do Ministério do Interior que tutela os SIE?

Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional, continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser.

E essa forma (desculpem estar há anos a dizer sempre o mesmo) é usar, não um enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for...

Será que os dirigentes da Guiné-Bissau, da CPLP (com ou sem Obiang) e similares se lembram que enquanto saboreiam várias refeições por dia, ali ao lado há gente que foi gerada com fome, nasceu com fome e morre com fome?

E, mesmo famintos, ainda sobra força aos guineenses para, ontem como hoje e certamente amanhã, fazerem o que já começa a ser um hábito: puxar o gatilho.

E assim se vai escrevendo a história do princípio daquilo que pode ser o fim da Guiné-Bissau. Realidade que não preocupa todos aqueles que vão continuando a cantar e a rir, levados, levados sim, por interesses pouco claros, sejam do narcotráfico propriamente dito ou não.

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